Mirandinha quer recomeço, após conhecer céu e inferno no futebol; veja entrevista ao DN
O Diário do Nordeste iniciou uma série especial sobre a vida pós-futebol de ex-jogadores que brilharam em solo cearense. São histórias de superação, angústias, reviravoltas e também de realização pelo novo momento, que muitos classificam como uma nova “vida” após carreiras de sucesso como atletas. Não à toa, muitos dizem que o jogador de futebol morre duas vezes: primeiro quando para de jogar. São humanos, com acertos, erros, mas muita determinação para vencer na nova vida.
E quem abriu a série foi o ex-atacante Mirandinha, um dos maiores jogadores da história do futebol cearense, craque dos anos 80 revelado pelo Ferroviário, brilhando no Botafogo e Palmeiras. Após passagem na Seleção Brasileira, se tornou o 1º brasileiro a jogar na Inglaterra, pelo Newcastle, também fazendo sucesso.
Voltou ao Brasil para vestir as camisas de Palmeiras e Corinthians, até ser contratado pelo Fortaleza como grande estrela e liderar o clube a conquista do Campeonato Cearense de 1991, marcando um golaço na decisão contra o Ceará. Encerrou a carreira de jogador em 1996 no Ferroviário, iniciando como técnico no clube. Portanto, já são 25 anos de estrada como treinador e fragmentos dessa história essa que será contada por ele.
Recomeço
O jogador que abriu as portas para os brasileiros no futebol inglês no fim da década de 80 quer agora reabrí-las para si mesmo como técnico. Mirandinha, aos 61 anos, sonha em retornar aos gramados como treinador, de preferência no futebol cearense, onde tudo começou no Ferroviário em 1977 ainda como jogador, e também como técnico, em 1996. Nascido em Fortaleza, mas registrado em Chaval (CE), Mirandinha está de volta a cidade natal, aguardando propostas de clubes cearenses para retornar ao gramado.
O retorno para casa, para o futebol cearense, pode ser considerado um recomeço na carreira de Miranda. Ao iniciar a trajetória como técnico em 1996 no Ferroviário, ele trabalhou como treinador ser interrupções até 2010, quando encerrou sua passagem pelo Hajer Club, da Arabia Saudita. Ali, ele vivia o melhor momento como treinador, com o título cearense de 2009 pelo Fortaleza. Ao retornar, Mirandinha não teve mais tantas oportunidades no futebol, com seus trabalho ficando mais “espaçados”.
“Eu sou treinador de futebol a 24 anos, comecei direto no profissional em 1996, no Ferroviário, fui vice-campeão do 1º Turno perdendo nos pênaltis para o Ceará. Fui para Arábia Saudita, ainda principiante como treinador, com apenas 6 meses de experiência, fiz um grande trabalho, ficando 3 temporadas seguidas no Al-Hajer. Me consolidei como treinador e em 2000 na Copa João Havelange, fiz um grande trabalho no nacional. Em 2001 tirei o Rio Negro na fila, voltei mais algumas vezes no mundo árebe, Malásia, e fui campeão cearense com o Fortaleza em 2009. Depois de 2009, retornei para retornar Arábia Saudita em 2010 e não tive mais grandes oportunidades. Tanto é que de 2011 a 2015 trabalhei na gestão na Arena Castelão, adquiri um conhecimento de gestão muito grande, estando lá em um período período pré-copa e pós copa. Sou muito grato, mas eu queria estar mesmo à beira do campo, sentir a adrenalina”.
Em seguida, Mirandinha admite que após sair da gestão da Arena Castelão, seus trabalhos rarearam, com ele pensando em largar o futebol. “Quando sai da gestão do Castelão, fui dirigir o Itapajé. Tinha tudo pronto para sequência e veio uma proposta do Sudão. Encarei novamente pensando em retornar para o mercado de alto nível, mas quando voltei, eu não tive mais espaço. Foram momentos em que pensei em deixar o futebol, por estas injustiças. Não apenas apenas comigo, mas outros treinadores foram injustiçados, sem a oportunidade real para trabalhar e reconhecido. Mas eu sempre voltei atrás, lembrando sempre lá do início, como jogador, da minha perseverança. Mas bateu sim uma vontade de largar tudo, com outros já fizeram por ai”, disse.
Virada
O ponto de virada de Mirandinha foi reorganizar sua vida financeiramente após um período delicado morando em outras cidades como Porto Velho (RO) e São João da Boavista (SP), com investimentos mal sucedidos, como um posto de gasolina e dívidas.
Com oportunidades apenas em times menores e em condição financeira difícil, o técnico dirigiu o Genus em 2017 de Rondônia, (RO), periodo que também montou uma escolinha, além de assumir o cargo de gerente de futebol do Batatais em 2019 e o Sub-20 do clube no ano seguinte.
Outra ajuda providencial para o técnico foi retirar a licença de treinadores da CBF. Ele conseguiu em 2019 com a ajuda de 10 amigos, que custearam o valor e agora, revigorado está se sentindo mais uma vez motivado para voltar ao futebol. “Fiz da licença A em 2019 com ajuda de amigos que fiz no futebol. Isso não tem preço. O curso é muito exigente, me sinto preparado e agora volto a ficar a disposição e pronto para o mercado”, disse.
As propostas do futebol cearense ainda não surgiram, mas ele espera estar logo comandando um time local. Para Mirandinha, não teria lugar melhor para voltar a trabalhar no futebol. Afinal, ele estará ao lado de seus pais, com os quais voltou a conviver desde novembro do ano passado.
“Tive o ano passado trabalhando no Sub-20 do Batatais e veio a pandemia. Com isso vim para casa. Estou em Fortaleza desde novembro. Eu aproveitei meu retorno para curtir meus velhos, meus pais. Meu pai com 90 anos e minha mãe quase isso e graças a Deus eles ainda estão aqui. Eu estou esperando convites. Alguns surgiram timidamente, mas os clubes ainda contavam com comissões técnicas e é deselegante conversar com clubes que tem treinadores empregados. Mas estou aberto a propostas se vierem”, disse ele.
E Mirandinha fala do futebol cearense com muito carinho. Seu maior brilho foi dirigindo o Fortaleza em 2009, mas ele também recorda trabalhos no Itapajé e Aracati.
“Tive 4 trabalhos no futebol cearense que me orgulho. No Aracati em 2008 quando subi o time para a Série B, em 2009 no Fortaleza campeão cearense, quando eu assumi o time na metade do Campeonato e fui campeão, fui vice-campeão em 2014 com o Itapajé. Sou vitorioso em termos de futebol cearense e espero uma nova oportunidade. Eu sou um dos poucos a ser campeão pelo Fortaleza como jogador e como técnico”, disse ele, citando o título como jogador do Campeonato Cearense de 1991, quando marcou o gol na final contra o Ceará que valeu a taça.
Espelho
Para retornar aos gramados, o treinador afirmou que vê futebol todo o dia e se espelha em 3 treinadores de sua época de jogador e um que hoje é sensação no futebol ingles: Jurgen Klopp, do Liverpool.
“Em termos de futebol global, acompanho tudo, o dia inteiro. No futebol brasileiro, me espelho em 3 treinadores aprendi, nos metodos que eles utilizavam: o Ênio Andrade, o Carlos Alberto Silva, que me deu todas as oportunidades na Seleção Brasileira e o Vanderlei Luxemburgo. Ele cometeu um pequeno deslize anos atrás, ao achar que já sabia tudo, que não precisava se reciclar mas está de volta. Quem não estiver atualizado, se preparar, fica para trás. Hoje o futebol está muito voltado para tecnologia, fisiologia, nutrição..São fatores que influenciaram para que o futebol tivesse a mudança que teve. Mas o mais importante é que cada um de nós treinadores temos a nossa maneira de ver,trabalhar as nossas equipes, a parte tática, estratégia de jogo. Fora do Brasil eu sou fã do Harry Redknapp, que no futebol inglês ele contratava jogadores desconhecidos e os transformava em grandes jogadores, trabalhando em clubes médios. Hoje o melhor e o mais importante treinador no futebol inglês é o Klopp. Ele supera até mesmo o renovado e tão badalado Guardiola”.
Estrelato como jogador
As referências de Mirandinha no futebol inglês não são por acaso. Ele foi o primeiro brasileiro a jogar por lá, quando foi contratado pelo Newcastle, jogando as temporadas de 1988 e 1989. E ele teve um bom desempenho, com 20 gols marcados nas duas edições. O sucesso de Mirandinha fez com que o mercado se abrisse. Depois dele, apenas em 1996 é que o Brasil voltou a ter representantes, já na era da Premier League com Juninho Paulista, Branco e Isaías, e desde então, o recorde de brasileiros em uma única edição foi na última temporada, com 22 jogadores.
Ele relembra com nostalgia a passagem pelo clube inglês, um dos maiores da Inglaterra. O alvinegro tem 4 títulos do Campeonato Inglês e 6 Copas da Inglaterra.
“Para qualquer profissional de futebol seria um momento de muita satisfação e de muita alegria. Pra mim não foi diferente. Eu tive a felicidade de me tornar o primeiro brasileiro a jogar na Liga principal da Inglaterra. É uma marca que vai me carregar até enquanto eu estiver aqui. Mas eu fico feliz com isso e acho legal que eu sempre sou lembrado. Fico muito feliz por tudo que construí. Muitas coisas boas aconteceram, fiz gols contra Liverpool, Manchester United, Everton… os grandes da Inglaterra. Em 1987, quando cheguei lá, fui o escolhido para dar início ao Natal, na solenidade com o Prefeito da cidade, no Eldon Square, um dos maiores shoppings da cidade. A minha filha nasceu lá, no Princess Mary Hospital, um dos melhores da Inglaterra. O Newcastle colocou seu terceiro uniforme como verde e amarelo em minha homenagem. Coisas maravilhosas”.
A ida para o futebol inglês teve um “empurrão” após um gol que fez contra a Inglaterra, jogando pela Seleção Brasileira, em 1987, após um torneio no Reino Unido, a Copa Stanley Haus.
“Jogar pela Seleção Brasileira sempre foi um sonho e pude realizar. Mas só 80%, já que faltou uma Copa do Mundo. Por pouco não fui para a Copa de 90. Mas fui um vitorioso pelo Brasil: fui campeão em 83 em Toulon, campeão pré-olímpico no Equador para Los Angeles 84, bi em 87, para Seul, e campeão da Stanley Haus, ganhamos empatando com a Inglaterra com gol meu e ganhando da Escócia. Todas as seleções que joguei fui campeão e até hoje detenho o recorde de gols em pré-olímpico. Tenho a certeza de que fiz o meu melhor e sempre disputando contra monstros sagrados, como Romário, Bebeto, Evair… pra mim foi realmente importante”.
Brilho no Brasil
Já no futebol brasileiro, Mirandinha passou por clubes como Botafogo, Palmeiras, Corinthians, Cruzeiro, Náutico e Fortaleza. No Leão, conquistou seu único título, o do Campeonato Cearense de 1991, já após retornar da Inglaterra.
Mas foi no Palmeiras que ele se destacou no futebol brasileiro. Mirandinha defendeu o Palmeiras entre 1986 e 1990. A temporada de 1986, aliás, foi uma das mais artilheiras da carreira do craque, na qual balançou as redes 46 vezes. Apenas Evair fez mais gols em um único ano na história do Palmeiras, com 53 em 1994. Nesse mesmo ano, em duelo contra o Fortaleza, Mirandinha marcou três vezes na goleada por 6 a 0, no Campeonato Brasileiro. Ele relembra o jogo, por ter sido diante de seu clube do coração.
“Essa passagem de 86 foi bem marcante pra mim. Eu nunca tinha jogado contra o Fortaleza, sempre a favor e é meu time do coração. Foi um jogo bem atípico com duas situações bem curiosas. A primeira foi que o Basílio, junto com a garotada do Fortaleza, disse para não se preocuparem pois ele cuidaria de mim, que iria dar duas chegadas em mim e eu iria lá pra trás armar. Só fiquei sabendo disso quando fui no vestiário, quando aconteceu a segunda coisa, pois eu levei 14 camisas do Palmeiras para presenteá-los e foi uma festa no vestiário, foi muito bacana ver o carinho deles mesmo depois dos 3 gols que fiz. Ali mostrei todo meu profissionalismo diante do Fortaleza”, relembrou.
Fonte: Reprodução da matéria do Diário do Nordeste
Foto destaque: Xandy Rodrigues/SAFECE