Jogadores da periferia da bola fazem bico e improvisam academia em quintal durante quarentena

Enquanto nos grandes clubes a polêmica diz respeito à redução dos altos salários, na base da pirâmide a história é muito diferente. Os relatos são mais parecidos com os dos trabalhadores que estão em filas por todo o Brasil tentando receber o auxílio do Governo Federal.

O segundo emprego, muito comum para jogadores dos clubes pequenos, virou a solução para muitos boleiros nestes tempos de desaceleração da economia. O zagueiro Carlos Alberto, do América, que disputava a seletiva da Série A do futebol carioca, também é barbeiro. Apesar do baixo movimento na barbearia, ele segue atendendo clientes. Casado e pai de uma criança, ele diz que a atividade paralela é a salvação.

– Eu já venho de dois meses de salário atrasado, sou casado, tenho filho de 2 anos. Eu tenho me virado da maneira que posso, correndo atrás pra trazer sustento da minha família – disse Carlos Alberto.
O zagueiro Miranda vive uma realidade semelhante. No mês passado, ele já estava pronto para se apresentar ao Goiatuba, quando a pandemia o obrigou a desfazer as malas e ficar em Americana, SP, sua cidade natal. Ex-companheiro de Rodrigo Caio e Lucas Moura na base do São Paulo, Miranda começaria neste mês a pré-temporada com os novos companheiros de time para a disputa da segunda divisão do campeonato goiano. Com o futuro indefinido, ele cuida de uma chácara, sua principal fonte de renda atual, e tenta manter o condicionamento físico malhando em casa.

– Me considero um privilegiado por ter ainda esse patrimônio. Mas mesmo assim está difícil. Por causa do coronavírus, metade dos meus clientes já desmarcaram. Fazíamos muitos eventos lá. Agora só consigo alugar para uma família passar o final de semana – disse o zagueiro de 27 anos, que assinou dois contratos como profissional com o São Paulo no início da carreira.

Para defender o Goiatuba, Miranda tinha acertado receber três salários mínimos _R$ 3.135 mensais, além de o clube bancar a sua alimentação e hospedagem na cidade. O zagueiro paulista é um retrato da maioria dos jogadores de futebol do país. Segundo a Rais (Relação Anual de Informações Sociais), 54% dos atletas receberam até 3 salários mínimos em 2017.

O abismo entre a elite e a periferia da bola é imenso. De acordo com a pesquisa, apenas 7% dos jogadores com carteira assinada no país receberam mais de 20 salários mínimos naquele ano (R$ 20.900).

O meia Flauver Frank é outro que malha no quintal de casa durante a quarentena. Ele teve que voltar para “casa às pressas” e não sabe quando vai retornar aos gramados. O meia estava no seu segundo clube em 2020, quando foi obrigado a retornar para Rondônia em um ônibus lotado após a paralisação do Campeonato Mato-Grossense. Depois de romper o contrato com o Ferroviário (CE), Frank tinha se apresentado no início de março ao Operário (MT) para reforçar o time na reta final do torneio e disputar a Série D. Ele chegou a estrear com a camisa do novo clube na vitória contra o Sinop, por 1 a 0, no dia 15 de março, e foi dispensado em seguida após a suspensão do torneio.

– Foi uma correria. Vim assustado para casa. Estava com medo do Mato Grosso fechar as suas divisas e entrei no primeiro ônibus. A tensão foi grande. O ônibus estava lotado, todo mundo usando máscaras, luvas. Ninguém falava nada nas 12 horas de viagem. Ainda bem que estou aqui em casa com saúde – disse o meia de 25 anos, que mora em Vilhena, Rondônia.

Desde o dia 23 de março, ele divide a casa com o irmão, que também foi mandado para casa pelos patrões. O irmão de Frank trabalhava numa loja no shopping da cidade. Neste período, ele passa os dias conversando com parentes e amigos por telefone e faz exercícios no quintal para tentar manter a forma física. Até agora, Frank disse que não teve coragem para jogar futebol.

– O risco é grande de contágio. O melhor é ficar em casa. Isso vai passar com o tempo – disse o meia, que ganhava R$ 5 mil no Operário (MT).

– Por enquanto, consigo segurar as pontas, O problema é que meus dois irmãos também estão sem receber e vamos ter que diminuir os gastos – acrescentou o meia, que no ano passado jogou pelo Ansan Greeners FC, time da segunda divisão da Coreia.

No Ceará, o Sindicato dos Atletas de Futebol do Estado do Ceará (SAFECE) arrecadou cestas básicas que foram enviadas para atletas que passam por dificuldades. Jogadores de Ceará e Fortaleza também se uniram para ajudar colegas que vivem tempos de angústias e incertezas. A segunda divisão do estado, por exemplo, começaria em abril e muitos profissionais assinariam contratos no mês de início da competição – o contrato de curta duração é uma marca do baixo clero do futebol.

A pandemia agravou um problema que atinge todos os patamares do futebol brasileiro: a má gestão. O calote é democrático como o vírus: é um mal de grandes e pequenas agremiações. Mas no caso dos clubes pequenos, que têm menos fontes de arrecadação, a situação é ainda mais grave, como lembra o advogado Filipe Rino.

– Infelizmente pra muitos clubes o coronavírus veio a calhar, desculpa maravilhosa que clubes estão utilizando. Há clubes que não fizeram pagamento do mês de janeiro ainda – lembra Rino.

FONTE: GE

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